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" O que fazer, com este país"

“O que fazer com este país”, de Ricardo Paes Mamede

 

Não é uma pergunta, é uma afirmação. E é o título do livro de Ricardo Paes Mamede, professor e economista, que foi lançado há pouco e que tem provocado um saudável debate.

20 de Agosto, 2015 - 10:43h

Francisco Louçã

O livro é um levantamento preciso sobre as dificuldades da economia portuguesa e não ignora as questões estruturais, as que são anteriores à troika e mesmo anteriores ao euro. É um inventário rigoroso, escrito de forma clara e que constitui um dos melhores diagnósticos disponíveis sobre a sociedade portuguesa. Um livro indispensável, portanto.

O autor explicou as ideias do livro e o seu mote gramsciano (“do pessimismo da razão ao optimismo da vontade”, que acho originalmente tão bem intencionado quanto ambíguo) em diversas entrevistas, em que foi interrogado sobre as soluções e, como não podia deixar de ser, sobre a lição grega. Esse é um dos pontos mais interessantes do livro, porque a maior parte dos economistas portugueses preferiu ou fingir que tudo continuava igual depois da imposição do novo memorando à Grécia ou que ainda é possível uma salvação institucional dentro do euro. Pelo contrário, Paes Mamede não foge à dificuldade: a União Monetária é disfuncional (“constitui o principal factor de pressão sobre o modelo social europeu”, p. 230) e portanto Portugal tem que estar preparado para uma saída unilateral da zona euro (p.222). Vai ser preciso “correr riscos” e “desafiar as regras”. O desapego do autor em relação ao discurso institucional europeu é evidente – e justificado. Por isso, nota que a estratégia grega foi perdedora desde o início, porque não se preparou para o confronto e por isso acabou por aceitar o recuo.

O desapego do autor em relação ao discurso institucional europeu é evidente – e justificado. Por isso, nota que a estratégia grega foi perdedora desde o início, porque não se preparou para o confronto e por isso acabou por aceitar o recuo.

A crítica à “austeridade expansionista” e aos programas seguidos pelo governo Passos Coelho-Portas é muito bem fundamentada, e os capítulos sobre desigualdade, crescimento e emprego são trabalhos particularmente bem conseguidos. São os pontos essenciais de uma alternativa e o seu argumento de que “não há soluções micro para problemas macro” devia ser colocado em outdoors no país inteiro.

Num comentário anterior sobre os trabalhos de Paes Mamede, destaquei a minha diferença quanto à sua teoria sobre o “triângulo das impossibilidades”. Escreve ele que é impossível cumprir simultaneamente três objectivos: “travar a austeridade em Portugal, evitar a reestruturação da dívida e cumprir as regras orçamentais europeias” (p.131 e 222). Aqui estou de acordo. E há uma consequência, já agora: a estratégia do PS é impossível e portanto errada e enganadora. Nunca será possível cumprir esses três objetivos simultaneamente.

Só que o uso na teoria económica destes “triângulos” remete sempre para a ideia de que é possível compor uma política baseada alternativamente só em dois lados do triângulo. Escreve o autor que, se o crescimento for forte, a taxa de juro baixa durante anos e a inflação alta, pode ser possível cumprir dois dos três objectivos (p.131). Talvez, mas não nos apresenta as contas para os níveis que seriam necessários, o que evitaria debates escusados. Nas minhas contas, que publiquei num estudo sobre a dívida elaborado com outros economistas, mesmo com uma reestruturação importante da dívida não é possível cumprir a regras europeias e é então necessário preparar uma alternativa. Presumo, em todo caso, que Paes Mamede atribui pouca relevância ao cenário perfeito em que tudo se conjugaria magicamente para reduzir a austeridade e evitar a reestruturação da dívida ou cumprir o Tratado Orçamental. O facto de esse cenário ser implausível diz tudo sobre o caminho que a política económica de esquerda deve trilhar e nisso ele tem razão.

Pedro Adão e Silva, na apresentação do livro, notava com argúcia que faltam alternativas, se a opção se decide entre uma renovação europeia que não acontecerá e uma saída que é difícil e arriscada. Mas talvez este livro seja mais do que um convite para pensar alternativas e mesmo para as preparar. É um manifesto para a mobilização fora do pensamento débil, e essa é uma grande virtude.

Artigo publicado no blogue Tudo Menos Economia.

Sobre o/a autor(a)

Francisco Louçã

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.

 

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